segunda-feira, 15 de abril de 2024

Retomar o Primeiro de Maio de luta, socialista e antiimperialista! * Movimento Brasil Operário/MBO

Retomar o Primeiro de Maio de luta, socialista e antiimperialista!

 Há quase 140 anos do histórico levante proletário em Chicago em 1886, quando os trabalhadores, organizados e municiados por uma profunda consciência de classe e dos seus interesses para si, em brava e heróica batalha contra as forças do capital, tiveram seus históricos mártires assassinados covardemente pelas forças de repressão da burguesia. Da qual daí em diante foi instituído pela Segunda Internacional, o Primeiro de Maio como data mundial do proletariado.

Após quase 140 anos desse combate histórico de nossa classe, nos encontramos num período cuja principal característica seja o avanço da contra-revolução burguesa em praticamente todos os países. Particularmente desde o fim da União Soviética e a queda do Muro de Berlim no crepúsculo do século passado, o capital não sessou uma vasta ofensiva econômica, política e ideológica contra o proletariado e seu programa científico de emancipação histórica: o marxismo.

As ideologias vulgares que pregavam o "fim da história"; o "empreendedorismo"; o identitarismo anti-classista; o politicismo e conciliação com o inimigo de classe; o conformismo e resignação com o presente, marcado pelo "congelamento" histórico, etc., não passam de artimanhas estratégicas e táticas da burguesia mundial e seus meios de propagação de mentiras e irracionalismo, visando arrefecer a fé dos trabalhadores no socialismo e na sua própria emancipação dos grilhões da sociedade de classes.

Em compasso com os ataques econômicos e sociais contra as conquistas históricas que o proletariado arrancou da burguesia no último século de duras batalhas, vemos uma verdadeira ofensiva ideológica e cultural por parte do imperialismo, visando um vasto entorpecimento de seu antagonista histórico para assim, quebrar suas perspectivas revolucionárias como forma de garantir a perenidade e sobrevida do regime capitalista em sua fase senil, marcada por crises cada vez mais recorrentes e de grande duração, ameaçando mesmo a própria humanidade.
Em todo o mundo governado pelo modo de produção capitalista, temos visto o desmonte dos mecanismos de proteção dos trabalhadores. Os direitos trabalhistas e o chamado "Estado de bem estar social" (onde existiu) tem sido radicalmente suprimidos; o nível econômico e social das classes trabalhadoras em todo o mundo não param de cair.

Na verdade entramos na era da superexploração do trabalho como um fenômeno mundial. As seguidas revoluções tecnológicas e informacional criou uma massa crônica de desempregados e seres humanos "supérfluos" pela ótica do capital e que não podem mais serem inseridos produtivamente no mundo das mercadorias cada vez mais mercantilizado e fetichizado. Para essa massa humana "sobrante"--um verdadeiro exército de reserva utilizado para aviltar os salários e condições de trabalho dos que ainda labutam--a "saída" burguesa é cada vez mais a repressão e extermínio malthuziano.

Nessa esteira, a chamada "composição orgânica do capital" como bem o conceituou Karl Marx, atua como um verdadeiro pêndulo contra a taxa de lucros do capital, obrigando seus servidores (a burguesia e seus agentes, sim, servidores de sua criatura) a recorrerem a um padrão de reprodução do capitalismo mundial francamente destrutivo, selvagem e incontrolável, que põe mesmo como horizonte a destruição da civilização como a conhecemos.

As guerras e o capital: uma relação de mão dupla

Com o alastrar da decadência capitalista, o recrudescimento das guerras de baixa e alta intensidade, tornaram-se algo corriqueiro, mesmo banal.

Neste século atual por exemplo, tivemos as guerras de tipo neocolonial por parte do imperialismo contra o Afeganistão, Iraque, Haiti, Líbia, Síria, Ucrânia (guerra por procuração do imperialismo ianque contra a Rússia), Iêmen, Palestina, etc. Também os golpes de Estado de novo tipo pela vida das revoluções coloridas e guerras híbridas, tem se tornado constantes e diversos países já foram ou estão sendo vítimas dessa forma de ataque encoberto, por parte das forças imperialistas e seus fantoches.

A instabilidade política promovida pela CIA contra governos populares e/ou nacionalistas também é algo que avança nessa época marcada pela crise geral do capitalismo, que exige de forma imperiosa ao grande capital, colonizar e impor sua agenda destrutiva em todo o mundo: diante de sua fase senil, o Globo terrestre já se tornou demasiado pequeno para o capital e seu caráter ontológico expansionista.

Daí a necessidade cada vez mais premente por parte do grande capital em controlar com mãos de ferro as fontes energéticas, de matéria prima, os mercados e o assalto aos Estados nacionais. Uma nova redivisão do mundo e da divisão mundial do trabalho, está em andamento; em tal movimento tectonico, o que o grande capital imperialista impõe aos povos da periferia capitalista é uma ainda maior subalternidade, agravando sua crônica relação de dependência e subdesenvolvimento.

Em suma, o preço pago pela humanidade com a perenidade até o presente do modo de produção capitalista tem sido alto demais. O próprio desenvolvimento histórico e das forças produtivas internacionalmente já estabeleceram as condições objetivas necessárias para a superação do regime burguês e para a construção do socialismo.

Os trabalhadores e os povos oprimidos resistem

O proletariado mundial embora ainda confuso, disperso e cambaleante diante da atual correlação desfavorável, resiste como pode. Vimos desde a última década importantes movimentos de luta dos trabalhadores em diversos países, sobretudo em nossa América latina. Os trabalhadores venezuelanos, bolivianos, equatorianos, chilenos, peruanos, haitianos e colombianos por exemplo, tem protagonizado ou protagonizaram nos últimos anos, importantes e heróicas lutas contra as forças da extrema direita, das tentativas golpistas e do imperialismo em seus países.

O povo palestino tem dado lições históricas a seus irmãos trabalhadores do mundo, através de sua gigantesca resistência armada contra os genocidas sionistas que comandam o facínora Estado de Israel e seus patrões imperialistas da Casa Branca. Embora o gigantesco tributo pago com o sangue sagrado de seus mártires, a resistência militar palestina impõe duríssimo revés ao sionismo, causando mesmo a desmoralização histórica mundial do Estado sionista e uma crise existencial de Israel.

Na África negra, seu valente povo derrotou o colonialismo francês, causando uma séria desmoralização e crise política profunda no interior dessa pátria imperialista decadente.
Os exemplos de brava resistência dos povos trabalhadores iemanita e haitiano, que nas mais desfavoráveis condições resistem e lutam bravamente contra seus exploradores e opressores internos e o imperialismo, deixa valiosa lição para o proletariado mundial.

Fortalecer um pólo revolucionario e antiimperialista internacional

A condição mais essencial do momento, é estabelecer uma frente internacional de lutas dos trabalhadores contra as forças do imperialismo. O atual período histórico se caracteriza pela ofensiva da burguesia e pela contra-revolução no mundo.
É imprescindível para as organizações de vanguarda dos explorados ter bem claro as forças que se batem, a correlação entre as classes antagônicas, para daí tirar as conclusões estratégicas e táticas do atual período. Uma das principais constatações a se considerar no momento é o fato de que as forças revolucionárias e de vanguarda da classe se encontrarem numa grave situação de fragmentação, divisão e sem protagonismo no interior das massas. E isso em todo o mundo.
Fortalecer as organizações dirigentes no interior de cada país é passo essencial para a retomada de uma agenda revolucionária e socialista que volte a hegemonizar as parcelas mais esclarecidas dos trabalhadores. Por outro lado, fortalecer um bloco revolucionário e antiimperialista internacional é sem dúvida uma das tarefas mais importantes do momento.

Em sua fase de deslocamento permante pelo mundo, o capital cada vez mais internacionalizado põem na defensiva qualquer estratégia ou tática puramente nacional dos trabalhadores. Daí ser imprescindível mais do nunca, organizar o combate internacional sistemático contra a burguesia, que tem no imperialismo seu chefe de fila no mundo.

Portanto, fortalecer uma frente internacional antiimperialista deve ser no momento uma das questões táticas centrais do proletariado mundial e seus aliados.

O grave impasse em que vive a humanidade, deixa bem claro que o capitalismo entrou em uma fase de potêncial destrutivo sem precedentes. As saídas reformistas que buscam reformar ou mesmo humanizar o regime do capital, estão barradas. A contra-revolução neoliberal, a atual escalada de guerras e golpes de Estado em todo o mundo, são as provas dessa verdade histórica. A revolução socialista é neste caso não só de uma atualidade indiscutível, como também, e mais importante, a garantia de sobrevivência da própria humanidade.

FRENTE REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES/FRT

quinta-feira, 4 de abril de 2024

PELEGUISMO SUGA TRABALHADORES "ECETISTAS" * Coletivo de Ecetistas

PELEGUISMO SUGA TRABALHADORES "ECETISTAS" 

A preparação da chamada “ GREVE” dos trabalhadores de Correios do dia 4 e 5/04/2024 representa um cuspe na nossa cara. Foi “ PREPARADA” para nos desmoralizar e aplicar novos golpes contra nós, principalmente na próxima campanha salarial.

Os pelegos das duas federações em conluio com a ECT ficam tirando sarro de nós:

•⁠ ⁠⁠Marcaram uma “GREVE” por um dia, dividida intencionalmente pelos pelegos do PCdoB e MDB que controlam os sindicatos de SP e do RJ, com assembleias para o mesmo dia em que os 31 sindicatos da Fentect entrariam em greve;

•⁠ ⁠As duas federações agendaram uma audiência de conciliação com o TST um dia antes da greve e no mesmo dia das assembleias marcadas pelos pelegos da Fentect;

•⁠ ⁠Os pelegos das duas federações surpreendentemente ainda se reuniram com a direção da ECT, um dia antes da mediação junto ao TST e Assembleia para deflagração de greve, sem avisar os trabalhadores e sem esclarecer a pauta da reunião;

•⁠ ⁠Esses pelegos patronais agem como se fossem capitães do mato, como se fossem donos dos sindicatos, principalmente do nosso dinheiro, o qual eles usam e dele abusam para objetivos pessoais;

•⁠ ⁠Isso depois deles terem empurrado goela abaixo o último ACT, Acordo Coletivo de Trabalho, no ano passado, que representou mais um ataque contra nós, apresentando-o como se fosse uma panaceia;

•⁠ ⁠A greve foi convocada sem organização pela base: reuniões setoriais, boletins que expressem as nossas necessidades, delegados sindicais ativos e de luta, sem plano de mobilização, sem considerar os trabalhadores terceirizados, sem nenhuma intenção de parar a produção, pois nos centros operacionais hoje só trabalham terceirizados;

•⁠ Os pelegos orientaram as ultra esvaziadas assembleias aprovarem a proposta do TST, Tribunal Superior do Trabalho, o que acabou acontecendo no fundamental.

•⁠ Esse peleguismo traidor com certeza levará a uma “greve” sem quase adesão. Nessas condições dificilmente mas de 3% da Categoria irá aderir;

•⁠ Os pelegos traidores trabalham ativamente pela nossa derrota e na prática, são agentes da entrega total da soberania do Brasil.
PARA AS ASSEMBLEIAS QUE SERÃO CONVOCADAS PARA 11.4.2024

•⁠ ⁠Manter o estado de greve não pode ser um repeteco daquele velho filme das federações pelegas divisionistas que negociam com o governo e tudo acaba em pizza;

•⁠ ⁠Os trabalhadores da base precisam organizar a luta, denunciando cada uma das sacanagens dos pelegos que atuam a mando da Empresa e do governo, a partir de um núcleo nacional e que represente toda a categoria, que conta com 200 mil trabalhadores, considerando os terceirizados e aposentados;

•⁠ ⁠Devemos fazer o que os pelegos traidores, corruptos e preguiçosos não fazem: começar um boletim nacional para toda a Categoria;

•⁠ ⁠Devemos buscar a unidade com os trabalhadores de luta de todo o Brasil, concursados, terceirizados e de outras categorias;
DEVEMOS EXIGIR;

•⁠ Concurso público para pelo menos 50 mil trabalhadores concursados não temporários, além dos que saírem no PDI, e investimento em tecnologia;
• Plano de carreiras com lisura, onde todos(as) possam competir com igualdade na busca de um crescimento profissional.
•⁠ ⁠Abertura dos livros fiscais para acabar de vez com a farsa do déficit nos Correios;
•⁠ ⁠QUE AS NEGOCIAÇÕES SEJAM TRANSMITIDAS VIA VIDEO- CONFERÊNCIA COM A POSSIBILIDADE DOS TRANSMISSÃO ASSISTIREM ACESSANDO COM SEU NÚMERO DE MATRÍCULA E PODEREM FAZER SEUS COMENTÁRIOS, JÁ COM » CLÁUSULA DO PRÓXIMO ACORDO COLETIVO 2024/2025
•⁠ ⁠Vamos organizar uma greve de verdade para vencer!
•⁠ ⁠Os sindicatos pertencem aos trabalhadores para lutar!
•⁠ ⁠Precisamos defender os nossos empregos e o futuro do Brasil.

Duarte, trabalhador da base de Correios – SAP/RS
Nayara, trabalhadora da base de Correios – BH/MG
Edson, trabalhador da base de Correios – Coaraci/BA
Mineo, trabalhador da base de Correios – SA/SP
Norma, trabalhadora da base de Correios – POA/RS
Lisandro, trabalhador da base de Correios – POA/RS
Derly – trabalhadora de base de Correios – Goiânia/Goiás

COLETIVO DE ECETISTAS

FONTE
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quinta-feira, 28 de março de 2024

STF acha que a solução é espremer mais os aposentados * Carlos Pereira/HP

STF acha que a solução é espremer mais os aposentados

Pela regra de transição em vez de R$ 1.493, caso fossem consideradas as contribuições anteriores a julho de 1994, o valor da aposentadoria seria de R$ 1.823, um total de R$ 330 a mais no bolso do aposentado
O STF, já com as nomeações de Lula, derrubou por 7 a 4, na quinta-feira, dia 21, duas ADI’s (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e referendou o art.3º da Lei 9876/99, que tira do trabalhador a possibilidade de optar por um cálculo menos desvantajoso para sua aposentadoria, incluindo, para tanto, os salários anteriores ao Plano Real. O artigo define que segurados filiados à Previdência Social até a data de edição da lei de 1999 teriam a aposentadoria calculada com base nas contribuições apenas a partir de julho de 1994. A regra prejudicou aqueles que tiveram suas maiores contribuições antes de 1994, recebendo benefícios menores do que teriam direito.

Ao referendar o artigo, o Supremo muda sua própria posição, invalidando a revisão da vida toda, que corrige essa distorção da lei. A revisão foi aprovada pela maioria dos ministros do STF (6 votos a 5), em dezembro de 2022. Agora, o STF reviu para baixo uma decisão já pacificada pelo próprio tribunal desde dezembro de 2022.

Portanto, a famosa “segurança jurídica” só vale para os especuladores internos ou estranhos, isto é, alienígenas. Para os trabalhadores, na ativa ou aposentados, ela não existe. Uma decisão tomada hoje, pode ser quebrada amanhã. Aliás, como podemos ver pelo caso, essa é a regra seguida no STF.

Os aposentados já ganharam duas vezes, em plenário e em instâncias superiores, e o tema já estava pacificado. Aí, desenterram as duas ADI’s — que não tratam da Revisão da Vida Toda —, e, por meio dessas, ao derrubá-las, conseguiram anular o julgamento. Como disseram alguns advogados, usaram as ADI como se fossem – e não são – embargos infringentes (ou seja, como recursos cabíveis quando uma decisão não é unânime).

O Douto colegiado, esculhambado, invadido e insultado pelas hordas fascistas de Bolsonaro no fatídico 8 de janeiro, está sem pé na realidade. Falta apenas oferecer brioches ao povo, como fez a ilustre Maria Antonieta, rainha de França, antes de ir parar na guilhotina. Afinal de contas, é muita subserviência aos bancos, espremer mais do que já foram espremidos os aposentados para engordar o pagamento de centenas de bilhões de reais de juros da dívida pública.

Os fatos são atormentadores. Metade da população economicamente ativa já foi colocada para fora da Previdência Pública. A desoneração dos descontos da folha de pagamentos para a Previdência já chega a 450 bilhões/ano em 17 setores, de grandes empresas, sem nenhuma contrapartida.

Porém, pelo visto, Haddad não consegue pensar em outra coisa. Foi o responsável por essa manobra cruel. Apavorou os meritíssimos com números lunáticos. O rombo, chutou, seria de 480 bilhões. Está mais para 4 bilhões. Ir na do Haddad é mau negócio. Além do que, ele é ruim de voto. Só que em 2026 tem eleição. Depois, não adianta chorar.

sábado, 23 de março de 2024

ALÔ TRABALHADOR POR APLICATIVO! * Instituto Humanitas Unisinos

ALÔ TRABALHADOR POR APLICATIVO!

 Instituto Humanitas Unisinos entrevista Ricardo Antunes

No Brasil de 2023, segundo dados do IBGE, mais de 600 mil trabalhadores tiraram seu sustento prestando serviços para as gigantes do trabalho uberizado. Em sua grande maioria são motoristas e entregadores, com jornadas de trabalho de 12 horas em média. Diante de tal cenário, o governo federal propôs a construção de um Projeto de Lei que garanta direitos a estes/as trabalhadores/as, mas, segundo avaliações de especialistas no mundo do trabalho, o tiro saiu pela culatra.

“O PL criado e proposto pelo governo Lula para regulamentar o trabalho dos/as motoristas de aplicativos é uma derrota cabal, se for aprovado. Por quê? Porque os seus (aparentes) pontos positivos, são um remendo para tentar consertar o erro crucial. Por isso ele é essencialmente nefasto”, avalia o professor e pesquisador da Unicamp Ricardo Antunes. “Para burlar e negar os direitos do trabalho era preciso criar uma categoria híbrida, estranha, que eles definiram como ‘autônomos’ e ‘autônomas’ e ‘empreendedores’ e ‘empreendedoras’. É um embuste!”, complementa.

Aquilo que poderia ser sinônimo de avanço civilizatório para estes/as trabalhadores/as transformou-se na criação de uma subcategoria de empregados e, pior ainda, colocou em risco atuais garantias trabalhistas, como a integridade do salário-mínimo. “Com relação ao salário-mínimo, o primeiro ponto nefasto é que ele cria uma sistemática que tende a reduzir o salário dos/as trabalhadores/as que já trabalham. Isto coloca em xeque, sim, trabalhadores recebendo menos do que o salário-mínimo. Também nesse ponto, o PL depõe contra a classe trabalhadora”, descreve.

IHU – Dados do IBGE de 2023 apontam que em 2022 havia 600 mil trabalhadores de aplicativos com rendimentos inferiores a trabalhadores não plataformizados. O que esses números indicam sobre a realidade do trabalho no Brasil?

Ricardo Antunes – A primeira indicação importante é que esses 600 mil trabalhadores e trabalhadoras, que compreendiam esse contingente de aplicativos, já demonstra que não é algo pequeno. E eu tenho a intuição clara de que esse contingente cresce a todo dia, celeremente, e que, com certeza, esse número já é bastante superior a essa primeira investigação.

A primeira incursão empírica do IBGE foi muito boa e mostrou que os trabalhadores e as trabalhadoras de aplicativos trabalham muitas horas a mais do que a média dos/as trabalhadores/as regulamentados pela CLT e mostra também que seus salários são inferiores.

O que esses números indicam, portanto, sobre a realidade do trabalho no Brasil é que nós temos, hoje, uma combinação letal caracterizada pela presença de uma burguesia predadora. A burguesia brasileira, junto com os capitais globais que atuam aqui são predadores, porque eles seguem a lógica do capital financeiro.

Essa ação empresarial, conduzida pelo mais destrutivo de todos os capitais – o capital financeiro – indica que a realidade do trabalho no Brasil, a depender dos interesses do capital, é sempre de mais predação, mais exploração, mais espoliação e mais expropriação, em plena era de uma expansão célere do mundo informacional, digital, da inteligência artificial, da indústria 4.0 etc.

É uma fotografia viva de que, no Sul do mundo, mas também nos bolsões mais precarizados do Norte, o capital só pode avançar incrementando altamente a tecnologia, de modo a levar ao limite a exploração, espoliação e expropriação da classe trabalhadora.

IHU – O Executivo federal encaminhou ao Congresso uma proposta de regulação do trabalho de motoristas de aplicativos. Quais são os avanços e os limites do texto?
RA – O PL criado e proposto pelo governo Lula para regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos é uma derrota cabal, se for aprovado. Por quê? Porque os seus (aparentes) pontos positivos são um remendo para tentar consertar o erro crucial.

Primeiro, o artigo 3 do projeto: o que essas plataformas, desde a Uber, Amazon, Amazon Mechanical Turk, Glovo, Deliveroo, 99, Cabify, todas elas, bem como outras formas de trabalho Airbnb, Google, Facebook, Meta etc., o que elas têm em comum? Elas se utilizam do trabalho desregulamentado. Ou seja, operam basicamente destruindo os direitos trabalhistas, não reconhecendo os direitos de assalariamento dessa classe trabalhadora. Fazem isso com base em um embuste ideológico muito bem arquitetado e sofisticado, típico de uma burguesia predadora da era financeira e digital.

Há uma massa imensa de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, procurando desesperadamente qualquer trabalho – por isso que essas plataformas entram mais fortemente na periferia do mundo, no Sul do mundo, e nos países do Norte avançam muito mais nos países devastadoramente neoliberais; porque onde tem alguma forma mais estruturada de direitos do trabalho, elas têm dificuldades.

Elas podem se dar a esta construção porque existe, primeiro, uma força de trabalho desempregada em abundância, em escala global, e que é muito mais extensa no Sul do mundo.

Segundo, num contexto de alta tecnologia, que não para de se desenvolver desde os anos 1970, inicialmente o mundo da automação e o mundo informacional digital invadiram a produção industrial e, partir daí, na virada do século, elas invadiram o que prefiro chamar como a indústria dos serviços.

Atenção! Nós não vivemos em uma sociedade pós-industrial, como diziam intelectuais eurocêntricos equivocados, nós vivemos a era da monumental expansão da indústria de serviços.

Ora, os capitais conseguiram ter, simultaneamente, forças de trabalho sobrante, desesperadamente em busca de trabalho e alta tecnologia em ampla expansão. Faltava dar o golpe Frankenstein, “dar o pulo do gato”, e qual é esse pulo? As perguntas que esses grandes empresários fizeram, na sua origem, foi: como burlar a legislação protetora do trabalho. Foram consultar esses grandes escritórios de advocacia corporativa e concluíram que, para burlar e negar os direitos do trabalho, era preciso criar uma categoria híbrida, estranha, que eles definiram como “autônomos” e “autônomas” e “empreendedores” e “empreendedoras”. Tratava-se de um embuste, desde sua origem!

É um embuste porque o que presenciamos é uma proletarização acentuada desses trabalhadores e trabalhadoras. Todas as pesquisas acadêmicas (não aquelas financiadas pelas plataformas) demonstram que eles e elas trabalham, frequentemente, na periferia do mundo, oito, dez, 12 e 14 horas – eu mesmo entrevistei um trabalhador que chegou a trabalhar 20 horas em um dia e outro que me disse que tinha uma jornada de 30 dias no mês, e eu perguntei “que dia você descansa?” e ele disse “não descanso nenhum dia”.

Isto é, superexploração do trabalho, que precisa ter um “discreto charme” da burguesia predadora: viraram “empreendedores”, “autônomos” e, portanto, não têm direitos do trabalho. E, mais ainda, os trabalhadores e trabalhadoras devem comprar ou alugar o carro, a moto, a bicicleta – e tudo mais o que for instrumento de trabalho – comprar um celular, ter uma conexão de internet, comprar uma bag, no caso dos entregadores e cuidar dos seus veículos etc. É um processo que no limite volta às condições vigentes na era da acumulação primitiva, porque o capital nem sequer entra com o instrumental de trabalho. E foi assim que se forjou esse vilipêndio em relação ao trabalho.

Podemos chamar esse projeto de PL do Desastre do Trabalho no Brasil, um projeto que “abre a porteira” – lembra dessa expressão? – da devastação do Brasil. O atual presidente, que com razão tanto criticou a contrarreforma [trabalhista] do [Michel] Temer está criando um monstrengo assemelhado, inicialmente para motoristas de aplicativo, mas que tem potencial para se expandir para a classe trabalhadora que trabalha nos serviços, com o já estamos vendo em tantas atividades, como jornalistas, trabalhadoras dos cuidados, empregadas domésticas, professores, médicos, enfermeiras etc.

Isso porque, esse PL, no seu artigo terceiro, define juridicamente os/as trabalhadores/as como autônomos. Ora, fazer isto é o que querem (ou exigem) a Uber, a IFood, a Rappi, a Glovo, a 99, a Lyft e a Deliveroo, todas essas empresas que circulam no mundo e que são, muitas delas, muito poderosas. Basta citar o caso da Uber, por um lado, com todas as suas ramificações – Uber Eats, Uber Works, Uber Health e também a Amazon, inclusa a Amazon Mechanical Turk etc.

Então, quais são os avanços do texto? Em poucas palavras: ele dá os diamantes e o ouro para as grandes plataformas digitais e joga migalhas para os/as trabalhadores/as. E quando forem comer essas migalhas, percebem que estão estragadas. A previdência, que é crucial; a organização sindical é um direito dos trabalhadores e trabalhadoras, está indelevelmente vinculada ao reconhecimento da sua condição de assalariamento. Se não for assim, é embuste, como o PL 12. É por isso que o que é aparentemente positivo, se desfaz, vira engodo, pois será sempre usufruído pela metade, quando muito. Quem garante que o trabalhador uberizado vai efetivamente conseguir pagar a sua parte da previdência? E o que é o verdadeiro embuste, a aparência de autonomia, bem como a ideia de que as plataformas são empresas de tecnologia, ganha estatuto legal. A pergunta elementar é: quando se chama a 99 ou Uber, nós estamos em busca de transporte privado ou queremos aprender tecnologia? A resposta, qualquer criança sabe. É óbvio que essas são empresas de transporte de pessoas e não são fornecedores de tecnologia. E o PL 12, se aprovado, legaliza-se, então, o ilegal. Por isso ele tem que ser rejeitado ou retirado da pauta parlamentar. Até porque, se lá ficar, vai piorar. Eis o imbróglio criado pelo governo.

IHU – Houve uma divisão tripartite para a construção do texto do Projeto de Lei entre empresas de aplicativos, Estado e trabalhadores, mas, neste último caso, algumas lideranças foram excluídas. Como o senhor avalia a construção do texto?
RA – Não houve uma construção coletiva. Houve um início de uma discussão, que não aceitou uma participação livre do conjunto heterogêneo e polimorfo que caracteriza a categoria dos/as trabalhadores/as de aplicativos. E, além de não reconhecer essa heterogeneidade em sua plenitude, o governo já tinha uma proposta na mão, a das plataformas, que não aceitavam negociar o ponto crucial: o reconhecimento da subordinação, do assalariamento real, contemplados os direitos do trabalho. Esse é o ponto crucial: as plataformas não abrem mão do embuste, não aceitam e não reconhecem a condição de assalariados.

Eu soube que setores do Ministério Público do Trabalho saíram das negociações do PL, de representantes dos entregadores que também saíram ou não foram mais chamados para a negociação, pois se recusaram a legitimar o embuste. O resultado é que o PL está fazendo água por todos os lados, como estamos vendo, porque a recusa a esse projeto é muito grande, em vários setores, por motivos antagônicos, mas é uma recusa grande. Na balança, então, o governo, no essencial, ficou do lado das grandes plataformas, que continuarão a descumprir e burlar os direitos do trabalho; não pagar tributos; se definir como “prestadoras de tecnologia” etc. E assim encontram-se, hoje, entre as maiores corporações globais.

IHU – Como o senhor vê a criação de um sindicato de trabalhadores plataformizados? O que pode ser positivo e negativo à categoria?
RA – A criação de um sindicato nasce com a própria história de luta da classe trabalhadora. Foi assim que na Inglaterra, no século XVIII, as primeiras lutas levaram à criação dos sindicatos que se consolidaram legalmente a partir de 1824. Então, esta criação resulta da organização e da auto-organização da classe trabalhadora. Um sindicato dos entregadores aqui ou um sindicato dos motoristas ali, como trata esse PL – que, repito, os entregadores tiveram a coragem, a consciência e a lucidez de recusar – propõe e incentiva a criação, por cima, de sindicatos.

Não cabe ao governo, “por cima”, criar sindicatos. Quem vai criar são os/as trabalhadores/as. Existe uma recusa muito forte aos sindicatos por parte de amplos setores da categoria, porque o ideário neoliberal ensina, desde meados do século passado, que o sindicato é inimigo da classe trabalhadora e que, portanto, o sindicato só atrapalha. Muitos dos trabalhadores mais jovens hoje estão imbuídos dessa concepção antissindical, mas eles percebem na luta que individualmente não são nada; coletivamente eles têm força. Para ter uma estrutura coletiva – e o Breque dos APPs mostrou isso – é preciso ter formas de organização.

Neste processo, por exemplo, nasceu a Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos – ANEA, que é um exemplo muito importante de criação de um embrião de entidade representativa dos/as trabalhadores/as de aplicativos de entrega.

Em 2019, houve discussões, que chegaram até um encontro internacional na Inglaterra, de trabalhadores/as uberizados, motoristas da Uber, que discutiu a criação de um sindicato internacional. Repito: não será pela via de um decreto do governo, mas pela conscientização, organização e auto-organização da classe trabalhadora. Através de um movimento, e não por decreto.

IHU – Em termos de garantias aos trabalhadores, o que a ausência de direitos previstos no artigo 7º da Constituição, como 13º salário, participação nos lucros e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) indica?RA – Indica a burla e que essa proposta é essencialmente uma proposta que atende às pressões do grande capital financeiro que comanda essas plataformas, que tem uma relação predadora, espoliadora, expropriadora e exploradora em relação à classe trabalhadora, que é tratada como força de trabalho: funciona, fica; não funciona, não fica. Lembre-se da primeira resposta: com uma massa imensa de trabalhadores/as desesperados por qualquer emprego, as plataformas se utilizam dessa condição.

Então, não ter férias, 13º salário, descanso semanal, jornada regulamentada e fundo de garantia mostra que este projeto é regressivo, um projeto que retorna – se deixarmos seguir adiante – a níveis de exploração do trabalho ao século XIX. Não por acaso que as palavras “bonitinhas”, como crowdsourcing embutem a sua origem. O outsourcing, por exemplo, era um sistema de trabalho do século XIX na Inglaterra, onde a classe trabalhadora trabalhava em casa, fora do espaço da fábrica, sob condições abjetas e sem nenhum direito. É um embuste e é isso que significa esse PL. Deve, por isso, ser retirado ou rejeitado. E essa é uma luta que interessa diretamente a toda classe trabalhadora.

IHU – Considerando os termos dessa regulação e a ausência de direitos, trata-se da criação de uma subcategoria de empregados?
RA – É pior do que isso. Trata-se da criação de uma terceira categoria, porque se abre à “lei da selva”. A partir de amanhã, todos os ramos e setores, não só as plataformas, vão começar a exigir do Supremo Tribunal Federal – STF, que é neoliberal no que diz respeito às questões do trabalho. O mesmo Supremo que teve coragem de tomar uma postura antifascista, é absurdamente neoliberal, o que não é uma contradição – nós sabemos, quem estuda e conhece o tema que estamos discutindo.

É a criação de uma terceira categoria sem direitos. Portanto, é dar plenitude à contrarreforma de 2017 do Temer, que propôs o trabalho intermitente, que o Lula na época tanto criticou. Hoje, o que o Lula está fazendo, como já disse acima, é legitimar o ilegal, que não é frase jurídica, mas uma frase sociológica e crítica: estão legalizando o que é inaceitável de ser legalizado, estão criando uma terceira categoria que abre a porta para desmontar o conjunto da classe trabalhadora. Basta imaginar, nas próximas eleições, se voltar uma aberração tipo Temer, ou uma versão abjeta do fanfarrão que vai para a prisão.

IHU – Qual a força dos trabalhadores para superar esta encruzilhada e garantir condições mais humanas de trabalho?
RA – Luta, organização, auto-organização, debate coletivo, valendo-se do WhatsApp para conectar com os companheiros e companheiras, conversando naqueles espaços durante as horas em que ficam esperando pelo trabalho que não chega.

Por exemplo: todos nós já entramos em uma loja de comércio, o trabalhador, que está na loja e vai te atender, estava recebendo com ou sem cliente. Por que os/as trabalhadores/as motoristas não recebem se estão disponíveis e conectados? Por certo, estas questões afloram em sua vida cotidiana, em suas conversas, em suas ações e lutas.

A empresa tem o maquinário algorítmico e a inteligência artificial, todos esses artefatos do mundo informacional digital, rigorosamente controlados pela engenharia do capital, pelos nefastos CEOs, que modulam as formas da exploração. Todos nós sabemos que isso é para se jogar contra os/as trabalhadores/as. O desafio são as lutas. Cito um exemplo real e vivo: o Breque dos APPs, de julho de 2020, entrou para a história da classe trabalhadora brasileira como a primeira greve dos trabalhadores entregadores de aplicativos. Só será possível superar essa encruzilhada através da força coletiva, da organização, da consciência e de luta. Não é uma coisa que a classe trabalhadora nasce sabendo. E algo que se constrói em sua história, desde a Revolução Industrial na Inglaterra.

Os motoristas das grandes plataformas, como Uber, Cabify e 99, até recentemente no Brasil, foram ex-operários, professores; eu já entrevistei veterinário, engenheiro químico e até um pequeno proprietário de indústria, porque ela estava parada na pandemia e ele foi trabalhar de Uber. É um amálgama de subjetividades, de experiências, não é só o antigo motoqueiro que tinha uma tradição já organizada de sindicato; é um amálgama. Têm jovens, muito jovens, que se conectam com uma plataforma, alugam uma motocicleta para fazer esse trabalho, não dirigiam antes, não eram motoqueiros. Têm estudantes que alugam bicicletas para pagar os estudos. Portanto, não vai nascer do nada um sindicato. Uma entidade desse gênero será resultado de muita experiência, luta, discussão e organização coletiva.

IHU – Há uma questão correlata a toda esta discussão que é, precisamente, o salário-mínimo. O senhor avalia que o governo colocou em risco o piso do salário-mínimo (condicionando-o às horas trabalhadas), que, apesar de seus limites, tem se mostrado uma das principais políticas benéficas à classe trabalhadora?
RA – Colocou em risco, sim. A contabilização dessas horas trabalhadas mostra, por exemplo, que os/as trabalhadores/as motoristas terão uma remuneração menor do que tinham antes. O que explica por que motivo esses motoristas não querem CLT e nem sindicato é que muitos estão imbuídos do milagre neoliberal. Seria um milagre, depois de tantos desastres, derrotas da classe trabalhadora, pois nós vivemos uma era de contrarrevolução preventiva burguesa (conforme nos ensinou Florestan Fernandes) só que hoje ela é movida pelo capital financeiro. Seria um milagre que esses trabalhadores tivessem um pensamento diferente. Por exemplo, se estou desempregado e compro uma moto (ou um carro) e vou para uma plataforma, eu não pergunto os meus direitos; eu vou porque preciso pagar o veículo que comprei ontem e preciso trabalhar para sobreviver.

Com relação ao salário-mínimo, o primeiro ponto nefasto é que ele cria uma sistemática que tende a reduzir o salário dos/as trabalhadores/as que já trabalham. Isto coloca em xeque, sim, trabalhadores recebendo menos do que o salário-mínimo. Também nesse ponto, o PL é contra a classe trabalhadora.

IHU – Uma pergunta que não pretende ser consoladora, mas que busca ver a realpolitik do mundo do trabalho contemporâneo: nos atuais termos, o projeto foi aquele possível de se chegar ou era possível avançar?
RA – Era necessário, imperioso, e ainda há tempo, de termos uma regulamentação efetiva e garantidora de direitos do trabalho e da previdência. É uma questão fundamental. Todos nós sabemos que o Lula nasceu e apareceu na cena social e política, em meados dos anos 1970, como uma liderança operária-metalúrgica muito importante. Não é possível imaginar que aquele que foi, no passado, o mais importante líder operário e sindical da história da classe trabalhadora no século XX no Brasil não tenha consciência de que este projeto atende às empresas. Os entregadores, com lucidez, deram um sinal contrário e dou outro aqui.

Força para os entregadores, porque quando esse embuste vier a ser imposto para eles, será preciso recusar. Os entregadores têm mostrado mais agilidade em formas de luta do que os motoristas, por vários motivos que aqui não há tempo de discutir.

Portanto, o projeto não é o que foi possível, porque esse projeto é pior do que o da Tabata Amaral e daquele senador, que gosta mesmo de apoiar o governo autocrata e fascista, o qual só não deu o golpe por muito pouco, como estamos sabendo agora. É inaceitável esse projeto, ele está neste nível e é preciso e imperioso avançar em direção ao reconhecimento da subordinação, do assalariamento real e do reconhecimento pleno dos direitos do trabalho, preservada a flexibilidade de horários, que tipifica esta atividade. Mas flexibilidade com direitos!

Pensando em motoristas e entregadores, quando perguntados se querem CLT, a maioria diz não, se perguntar se querem sindicato, boa parte diz não. Agora, se perguntar se eles querem o descanso semanal pago, dizem que sim. A mesma coisa quando perguntam se eles gostariam de ter férias pagas de um mês, 13º salário e condições para usufruir de uma previdência na aposentadoria, eles dizem que sim. Era isso que era possível fazer.

A CLT já permite a muitas categorias que o trabalho seja flexibilizado na jornada, mas não flexibilizado nos direitos. Esse monstrengo do governo Lula mantém a precariedade completa das condições de trabalho. O motorista ou entregador pode trabalhar até 12 horas? É um acinte, pois a jornada no Brasil é de 44 horas, sendo de 40 horas para vários setores. Ter 12 horas ou mais, é outro vilipêndio inaceitável.

Segundo ponto: a plataforma tem direito de demitir, suspender ou bloquear desde que justifique. Mas justifique como? O governo sabe muito bem que no mundo dos algoritmos os/as trabalhadores/as não têm um gerente da empresa para conversar, não tem um espaço físico de contato. Estamos vivendo uma era algorítmica, da inteligência artificial, e os/as trabalhadores/as não sabem como funciona, quem opera e quem programa. Alguém conhece algum programa ou algoritmo dessas empresas que diz “Dirija lentamente, siga todas as regras de trânsito, teu tempo de entrega não vai contar, trabalhando ou não as mesmas horas por dia você vai receber o mesmo salário”. Não! É a gamificação. Isto é, quem rala e se mata vai adiante; quem não faz assim, não segue. Portanto, esse projeto é nefasto. E necessário avançar mais, com outro projeto.

E aqui trago outro ponto importante. Se o projeto for para a Câmara e o Senado, ele será aprofundado e se tornará ainda mais devastador. Se o governo tiver o mínimo de consciência histórica da classe trabalhadora, ele retira esse projeto de lei. O que o Lula chamou – ele estava com a cabeça em outra coisa, talvez no Corinthians (eu falo aqui como corinthiano) – do “mais importante projeto” do mundo ou algo parecido, que envolve empresas/plataformas e trabalhadores/as uberizados é outro embuste. Ele é pior do que todos os projetos que foram feitos ou estão em discussão na Espanha, Inglaterra, Itália, Portugal, França, Alemanha e União Europeia.

Na semana passada, o projeto da União Europeia, por exemplo, reconheceu um ponto crucial: eles são empregados. Essa é a questão fundamental.

IHU – Em novembro de 2020, em entrevista ao IHU, o senhor afirmou que “a expansão do trabalho uberizado nos levará à escravidão”. Olhando em perspectiva o cenário de quatro anos atrás e hoje, o senhor mantém sua afirmação? Por quais razões?
RA – Eu já concedi muitas entrevistas ao IHU, é uma revista muito importante, que está sempre muito em sintonia com as questões cruciais do Brasil e do mundo e uma revista que acompanha as temáticas do trabalho. Eu já fiz, certamente, muitas entrevistas. Mas faço uma pequena adição à pergunta. Na entrevista eu disse: “a expansão do trabalho uberizado nos levará à escravidão digital”, faltou o “digital”. Inclusive, assim está no título, que foi bem dado por quem editou essa matéria.

Eu mantenho a afirmação e agudizo: todos esses/as trabalhadores/as são prisioneiros de uma máquina algorítmica, que eles não têm ideia como funciona, assim como nós também não temos. Alguém aqui já viu um algoritmo? Ele é como um relógio que pode alterar as horas? Não. O algoritmo é um inferno na mão dos CEOs, que são os predadores.

Evidentemente que os CEOs são uma parte das classes dominantes. Não são os proprietários, mas os agentes fundamentais que mantêm a hierarquia de controle do trabalho sob o capital. Ou seja, é o capital sobrepondo-se ao trabalho.

A escravidão digital é um traço dos nossos tempos. Nenhum desses motoristas consegue trabalhar sem ter uma meta, visando receber um valor X no fim do dia. Mas, para atingir a meta, ele não sabe quanto vai receber. Quanto as empresas descontam? O mundo algorítmico e digital sequer mostra o que os motoristas ganharam e quanto lhes foi descontado.

O nosso livro Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais (Boitempo, 2023) com pesquisas densas e pesquisadores nacionais e internacionais, bem como nosso trabalho anterior, coletivo, que originou o livro Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 (Boitempo, 2020), ambos feitos em um Projeto com o Ministério Público de Campinas e região (MPT-15) mostram que este comando maquínico, digital, informacional e algorítmico faz com que o trabalhador não saiba nem o quanto vai receber. Ele vai saber o valor recebido quando vem o pagamento final e ele não pode perguntar por que é x e não y. Isso porque o comando mais global da sociedade é do capital financeiro, o mais destrutivo de todos. E os artefatos digitais e informacionais são projetados, programados e utilizados para impor a exploração, a expropriação e a espoliação do trabalho estão dados.

A exploração é evidente: trabalho de 12, 13 horas por dia, quando não mais. A expropriação é a retirada de todos os direitos. E a espoliação é que, para entrar nessas empresas, endividam-se com o capital financeiro, para pagar a prestação da moto, carro ou bicicleta, etc.

E os/as trabalhadores/as, endividados, não vão discutir se as empresas dão direitos ou não; querem começar a trabalhar e se envolvem na lógica da gamificação. É possível começar a trabalhar às 6h, às 8h ou às 10h da manhã, mas essa é a única “autonomia” que tem, mas vão trabalhar as horas necessárias para cumprir a meta. Foi isso que denominei como “escravidão digital”.

Em 2018, no livro O privilégio da servidão, quando cunhei a expressão, tínhamos um número menor de trabalhadores em plataformas, entregadores, trabalhadoras domésticas, professores, médicos, jornalistas, advogados, trabalhadores do cuidado, eletricista etc. Hoje nós temos uma massa de trabalhadores que trabalham por aplicativo e que é prisioneira dessa escravidão digital.

IHU – Deseja acrescentar algo?
RA – Agradeço a entrevista, o cuidado na elaboração das questões e desejo vida longa para essa publicação do IHU que honra o debate sério e qualificado da humanidade, em especial da classe trabalhadora.