quinta-feira, 10 de julho de 2025

TALVEZ VOCÊ AINDA NÃO SAIBA, MAS SERVIDOR PÚBLICO É TRABALHADOR * Wladimir Tadeu Baptista Soares / RJ

TALVEZ VOCÊ AINDA NÃO SAIBA, MAS SERVIDOR PÚBLICO É TRABALHADOR 
(Uma homenagem ao Dia 28 de Outubro – Dia do Servidor Público) 
Wladimir Tadeu Baptista Soares 
(Advogado, Médico, Professor de Medicina da UFF) 

Durante quase quinhentos anos, desde o seu descobrimento, o Brasil conviveu com a figura jurídica conhecida como “funcionário público” – um trabalhador da esfera pública que tinha como compromisso servir ao governo (ao governante do momento). Esse funcionário público não atendia, obrigatoriamente, ao pré-requisito da aprovação em concurso público para assumir um cargo público no governo de ocasião. O concurso público podia ou não existir. Com isso, eram preservados o patrimonialismo (confusão entre o que é público e o que é privado, em que aquilo que é público é capturado pelo privado) e o nepotismo em todas as esferas públicas da Administração. Tratava-se de cumprir o princípio da pessoalidade (“quem indica”) no âmbito administrativo de todos os Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desse modo, o funcionário público sofria toda espécie de assédio, já que não gozava de estabilidade, devendo favores àquela pessoa que o havia nomeado para o cargo público ocupado por ele. Assim, a corrupção, quando acontecia, era, de certo modo, protegida. 

O funcionário público era um trabalhador sem voz ativa, cabendo-lhe apenas obedecer as ordens dadas, sem questionar. Caso contrário, era sumariamente exonerado e substituído rapidamente por um outro indivíduo indicado por alguém para ocupar o seu cargo. Felizmente, a Constituição Federal de 1988 veio acabar com a figura jurídica do funcionário público, fazendo nascer as figuras jurídicas do “empregado público” (celetista) e do “servidor público” (estatutário) – este último regido pelo chamado Regime Jurídico Único (RJU), um regime jurídico administrativo de direito público, sendo assegurada a sua estabilidade. E é sobre o servidor público que quero falar. A partir da Constituição Federal de 1988, no que diz respeito a criação da figura jurídica do servidor público, em substituição ao funcionário público, a Administração Pública saiu de uma situação de imoralidade pública para uma condição de moralidade pública – um Princípio Constitucional Administrativo. 

 O servidor público, bem como o regime jurídico administrativo ao qual ele está submetido, tem previsão constitucional nos artigos 37, inciso II, e 39, caput, entre outros. Trata-se, o servidor público, de um trabalhador da Administração Pública, cuja investidura no cargo público tem como pré-requisito obrigatório a aprovação prévia em concurso público, o que lhe garante efetividade e a estabilidade necessária para o livre e responsável exercício da sua função. Portanto, a Constituição Cidadã de 1988 definiu a meritocracia do concurso público como condição necessária para o ingresso do trabalhador como servidor público na Administração Pública, seja ela federal, estadual, distrital ou municipal, cumprindo, assim, o estabelecido pelo Princípio Constitucional Administrativo da Impessoalidade (artigo 37, caput), afastando o patrimonialismo e o nepotismo da atividade administrativa, além de dificultar o aparelhamento político-ideológico da Administração Pública brasileira. Gozando de estabilidade, o servidor público, ao contrário do funcionário público, passa a ser um trabalhador público do Estado e da sociedade, e não mais do governo ou do governante – o que foi um avanço civilizatório -, sendo-lhe garantido voz ativa no âmbito da Administração Pública, o que serve como um dos instrumentos de defesa do Estado e da sociedade contra atos de corrupção. Essa estabilidade do servidor público não é, de forma alguma, absoluta, mas estabelece que o servidor público (concursado) só pode ser exonerado por justa causa, provada em processo administrativo disciplinar (PAD), em que são assegurados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

 Com isso, inibe-se a possibilidade de assédio e proíbe-se a exoneração do servidor público por razões de perseguição pessoal, preconceito, discriminação, opção política, desafeto ou qualquer outro motivo não amparado na lei. É o servidor público aquele trabalhador que atua para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme previstos no artigo 3º, da Constituição Federal de 1988, ou seja: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Do mesmo modo, é o servidor público aquele trabalhador que atua para o atingimento da finalidade da Ordem Econômica Constitucional prevista no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, ou seja: assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. 

 Mais ainda, o servidor público é aquele trabalhador que atua também para assegurar o cumprimento dos objetivos da Ordem Social Constitucional previstos no artigo 193, da Constituição Federal de 1988, ou seja: o bem-estar e a justiça social. Tendo como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil “o valor social do trabalho” (uma das dimensões da dignidade da pessoa humana), conforme disposto no artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, e como um direito do servidor público aquilo que está previsto no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988, ou seja, a revisão geral anual da sua remuneração, sempre na mesma data e sem distinção de índices, configura-se como inconstitucional o congelamento salarial dos servidores públicos, cabendo aos Poderes Legislativo e Judiciário, exercendo a função de peso e contrapeso das ações do Poder Executivo, bem como ao Ministério Público, no exercício da sua função de defesa do Texto Constitucional, impedir que esse congelamento aconteça. Desse modo, urgente se faz o respeito à data-base prevista em lei (mês de janeiro) para que esse mandamento constitucional seja, com justiça, cumprido anualmente. São os servidores públicos aqueles trabalhadores que têm o dever de prestar os serviços públicos definidos nas políticas públicas do Estado brasileiro. 

Naturalmente, um dos elementos para a eficiência da Administração Pública é a existência de uma política pública de recursos humanos que assegure um número adequado de servidores públicos para a prestação de serviços públicos com a qualidade esperada e desejada por todos, de forma contínua e de acesso universal. Infelizmente, ao contrário do que é veiculado na imprensa, o Brasil é um dos países com o mais baixo número de servidores públicos ativos em todo o mundo. Se compararmos, por exemplo, com os países escandinavos, ou seja, com aqueles países com os melhores índices de bem-estar social, enquanto esses países (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia) contam com 30 a 35% de servidores públicos, o Brasil conta com apenas 12% de servidores públicos em relação à toda a massa de trabalhadores do país (dados da OCDE). Portanto, o Brasil não tem uma máquina administrativa “inchada”, com excesso de servidores públicos. 

Ao contrário, a máquina administrativa brasileira conta com um déficit absurdo de servidores públicos concursados, havendo uma necessidade urgente de recomposição para mais do número de servidores públicos em todas as áreas da Administração Pública, o que se consegue, pela via constitucional (em atendimento ao Princípio da Legalidade), através da abertura de concursos públicos e o abandono imediato da política pública de recursos humanos de “enxugamento” da máquina pública e contratação de trabalhadores temporários, o que vai ao encontro da ineficiência pública e de encontro à dignidade da pessoa humana do servidor público. Sendo assim, não cabe, no ideal de construção de um Estado de Bem-estar Social, a continuidade da adoção de políticas públicas de inspiração neoliberal, que só geram perda de direitos sociais, aumento da desigualdade social, desemprego, “mercadorização” do ser humano, precarização das relações de trabalho, privatização dos serviços públicos sociais (educação, saúde, previdência social etc.) e da própria Administração Pública, aumento da pobreza, aumento da fome e injustiça social. Para isso acontecer, é preciso responsabilidade pública, vontade política, conhecimento, disposição e coragem, além da participação popular. 

Nesse contexto, como todo trabalhador, o que o servidor público quer é respeito, reconhecimento e valorização, o que significa respeito, reconhecimento e valorização não somente por parte do governo, mas também, e principalmente, de toda a sociedade.

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