domingo, 30 de novembro de 2025

TRABALHO NÃO PODE SER CASTIGO * Wilson Coêlho/ES

TRABALHO NÃO PODE SER CASTIGO
Wilson Coêlho¹

TEATRO

Ator I – Fora 6 por 1! Fora 6 por 1! Fora 6 por 1! 

Ator II – O que é isso maluco? Falando sozinho? 

Ator I – Como falando sozinho? O que estou dizendo é sobre uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 8/2025 que propõe o fim da escala de trabalho 6x1. E isso já está na boca do povo. 

Ator III – (Entrando, bravo) Isso é um absurdo! Como a empresa vai produzir com vocês folgando tanto? 

Ator I – Como absurdo? Você não entende que nós merecemos descansar, passar mais tempo com a família, visitar amigos e ter vida social?  

Ator III – (Irônico) Família? Amigos? No meu tempo, trabalhávamos 12 horas por dia e não reclamávamos! 

Ator II – Provavelmente, no seu tempo não existiam direitos trabalhistas, mas quer você queira ou não, o mundo evoluiu e o trabalhador ficou mais consciente de sua classe e da valorização do seu trabalho. 

Ator IV – Querem saber de uma coisa? Esse papo de acabar com o 6x1 é muito tímido. Temos que lutar no mínimo é por 4x3. Não estamos lutando por privilégios, mas por direitos e, diga-se de passagem, direitos humanos. 

Atores I, II e III – Como assim? 

Ator IV – Além do final de semana, o trabalhador também tem que ter no mínimo um dia útil para folgar, para descansar e sair da bolha do seu trabalho. 

Ator III – Aí já é exagero! O patrão tem um monte de gastos para garantir o empregado e um dia útil seria um grande prejuízo para ele. 

Ator IV – Exagero? Você só está preocupado com os gastos do patrão? E

quem seria o patrão se não tivesse alguém que trabalhasse para ele? Fique sabendo que a cada oito horas trabalhadas o operário recebe o equivalente a 30 minutos do que produz e o patrão fica com as outras sete horas e meia.  

Ator II – É isso mesmo. Valorizar e respeitar o trabalhador não dá nenhum prejuízo ao patrão, apenas diminui muito pouco no seu lucro, uma insignificância na mais-valia. Além do mais, trabalhadores descansados produzem muito mais. 

Ator I – Temos que entender que o dia útil de folga é também a oportunidade do trabalhador tratar de questões no banco, cartório, médico, prefeitura e diversos outros lugares sem ter seu ponto cortado e sem ter que arranjar atestado ou mendigar uma permissão do patrão. 

Ator IV – Sem querer ser óbvio, também precisamos atentar para algo bastante humano que é a convivência desse trabalhador com sua família, um pouco mais de atenção para com os filhos, poder visistar um parente, um amigo. 

Ator II – Claro. Esse que só folga no fim de semana não consegue nem descansar. Tem sempre uma torneira para consertar, uma arrumação de casa, compras no supermercado... 

Ator I – (Interrompendo) ... sem contar que também necessita pensar um pouco. Fazer alguma reflexão sobre sua vida e o mundo. O trabalho em excesso tira o ser humano da vida. Não podemos viver para trabalhar, mas trabalhar para viver. Mas é viver dignamente, não apenas para pagar um aluguel e comer, mas para usufruir da vida. 

Ator II – Concordo plenamente. O trabalho não pode ser uma punição ao trabalhador, uma preço a pagar pelo direito de morar, de comer e de existir, mas deve ser uma coisa feita com amor e com a consciência de que o que faz é uma contribuição para a humanidade, para um mundo melhor e mais justo.

Ator IV – Sabem quem inventou a roda? 

Ator I – Claro! Foram os trabalhadores! 

Ator IV – Sim, aliás, tudo o que existe no mundo foi construído pelos trabalhadores, embora sempre haja uma placa com o nome dos inventores que nunca pregaram um prego. Mas os trabalhadores que inventaram a roda não eram aqueles que no momento carregavam a pedra. 

Ator II – Como assim? 

Ator IV – É que aqueles que carregavam a pedra estavam tão preocupados e concentrados em não deixar que ela lhes caisse nos pés, bem como até onde levá-la que não tinham atenção para outra coisa. Quero dizer que os trabalhadores que olhavam de fora pensavam: que ridículo tanto esforço e perigo! Por que não colocam essa pedra em cima de umas toras para melhor transportá-la? 

Ator II – Entendi. O distanciamento nos permite pensar e refletir sobre as coisas. Assim os trabalhadores criaram a roda e, claro, porque estavam de folga puderam ver e criar uma solução por estarem distanciados e analisar a situação. 

Ator IV – Algum de vocês conhecem o poema de Vinícius de Moraes, o "Operário em construção"?  

Ator II – Eu sei desse poema. Posso recitá-lo? 

Ator IV – Claro, faça-nos esse favor¹ 

Ator II – O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO 

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe 

num momento de tempo todos os reinos do mundo. 

E disse-lhe o Diabo: 

Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque

a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. 

E Jesus, respondendo, disse-lhe: 

Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. 

Lucas, cap. IV, versículos 5-8 

Era ele que erguia casas 

Onde antes só havia chão. 

Como um pássaro sem asas 

Ele subia com as casas 

Que lhe brotavam da mão. 

Mas tudo desconhecia 

De sua grande missão: 

Não sabia, por exemplo 

Que a casa de um homem é um templo 

Um templo sem religião 

Como tampouco sabia 

Que a casa que ele fazia 

Sendo a sua liberdade 

Era a sua escravidão. 

De fato, como podia 

Um operário em construção 

Compreender por que um tijolo 

Valia mais do que um pão? 

Tijolos ele empilhava 

Com pá, cimento e esquadria 

Quanto ao pão, ele o comia... 

Mas fosse comer tijolo! 

E assim o operário ia 

Com suor e com cimento 

Erguendo uma casa aqui 

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria 

Não fosse, eventualmente Um operário em construção. 

Mas ele desconhecia 

Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado 

De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa Garrafa, prato, facão — Era ele quem os fazia 

Ele, um humilde operário Um operário em construção. Olhou em torno: gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela 

Casa, cidade, nação! 

Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia 

Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. 

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário

Soube naquele momento! Naquela casa vazia 

Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua própria mão 

Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. 

Foi dentro da compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário. Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração 

E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia 

Exercer a profissão — O operário adquiriu 

Uma nova dimensão: 

A dimensão da poesia. 

E um fato novo se viu 

Que a todos admirava: 

O que o operário dizia 

Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia sim 

Começou a dizer não. 

E aprendeu a notar coisas 

A que não dava atenção: 

Notou que sua marmita 

Era o prato do patrão 

Que sua cerveja preta 

Era o uísque do patrão 

Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão 

Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão 

Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão 

Que a dureza do seu dia 

Era a noite do patrão 

Que sua imensa fadiga 

Era amiga do patrão. 

E o operário disse: Não! 

E o operário fez-se forte 

Na sua resolução. 

Como era de se esperar 

As bocas da delação 

Começaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão. 

Mas o patrão não queria 

Nenhuma preocupação 

— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operário 

E ao dizer isso sorria. 

Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção 

Viu-se súbito cercado 

Dos homens da delação E sofreu, por destinado Sua primeira agressão. Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não! 

Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão 

Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão. Porém, por imprescindível Ao edifício em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia. 

Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando Ao alto da construção 

E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação 

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer 

Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares 

O que te faz dizer não. 

Disse, e fitou o operário 

Que olhava e que refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria. 

O operário via as casas 

E dentro das estruturas 

Via coisas, objetos 

Produtos, manufaturas. 

Via tudo o que fazia 

O lucro do seu patrão 

E em cada coisa que via Misteriosamente havia 

A marca de sua mão. 

E o operário disse: Não! 

Loucura! — gritou o patrão Não vês o que te dou eu? Mentira! — disse o operário Não podes dar-me o que é meu. 

E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração 

Um silêncio de martírios 

Um silêncio de prisão. 

Um silêncio povoado 

De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado 

Com o medo em solidão. 

Um silêncio de torturas 

E gritos de maldição 

Um silêncio de fraturas 

A se arrastarem no chão. 

E o operário ouviu a voz 

De todos os seus irmãos 

Os seus irmãos que morreram 

Por outros que viverão. 

Uma esperança sincera 

Cresceu no seu coração 

E dentro da tarde mansa 

Agigantou-se a razão 

De um homem pobre e esquecido 

Razão porém que fizera 

Em operário construído 

O operário em construção. 

Todos – (Aplausos.) 

Ator IV – Nada tão simples. Nem é preciso desenhar. 

Ator III – Mas, voltando para a questão atual desse fora a escala 6x1, tenho uma dúvida (hesitante) ... e se as empresas começarem a demitir? 

Ator I – Isso é o que sempre usam para nos amedrontar. As empresas só existem porque encontram quem trabalha. Se demitirem, elas não terão a quem explorar e vão perder seus clientes e, em consequência, seu capital.  

Ator II – (Pensativo) Enfim, acho que devemos ser mais ousados e lutar para trabalhar no máximo quatro dias por semana, talvez... só talvez valha a pena. 

Ator IV - (Sorrindo) É isso que estamos dizendo! Um trabalhador descansado tem mais tempo para sua vida pessoal e familiar, ou seja, é um trabalhador 

feliz! 

Ator I – E um trabalhador feliz produz mais! Não produz apenas por medo de  perder o emprego, mas pelo prazer de entender que o seu trabalho é uma  forma de contribuir com outras pessoas, de tornar o mundo mais justo, mais  humano. 

Ator II – Além de poder ver meu neto no fim de semana, ir ao cinema ou ao teatro, encontrar com parentes e amigos. 

Todos – Afinal, o que a PEC propõe? 

Ator I – Redução da jornada semanal de 44 para 36 horas. Ator II – Trabalho distribuído em 4 dias por semana, com 3 dias de descanso. Ator III – Manter o limite de 8 horas diárias. 

Ator IV – Sem perdas salariais. 

Ator I – E já contamos com um forte apoio popular. Uma pesquisa da Genial/Quaest revelou que 71% dos brasileiros são favoráveis ao fim da escala 6x1. 

Ator II – É isso mesmo. O apoio é especialmente forte entre as mulheres que tem 77% a favor. 

Ator II – Além dos 80% dos jovens de 16 a 34 anos.  

Ator III – Sem contar os 76% das pessoas com ensino médio completo. Todos – Estamos no caminho certo. A cada um conforme suas necessidades! 

Ator I – O Atlas da Escala 6x1 mostra que essa jornada afeta principalmente jovens negros periféricos, com altos índices de estresse e esgotamento

nervoso. 

Ator II – Sindicatos e movimentos sociais entenderam e defendem que o modelo atual prejudica a saúde mental, o convívio familiar e o acesso à educação e lazer. 

Ator III – A proposta também é vista como uma forma de gerar mais empregos, já que a redução da jornada exigiria mais contratações. 

Todos – Por uma jornada de trabalho mais humana! Viva! Viva a classe trabalhadora! São os trabalhadores que produzem a riqueza do país, mas são justamente os que dela não usufruem, pois a riqueza sempre fica nas mãos daqueles que os exploram. 

Ator I – Eu sei que nós não ensaiamos, mas quero fazer um apelo aqui e gostaria de propor que todos dissessem juntos duas frases. A primeira é: Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos! Vamos lá? 

Todos – Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos! 

Ator I – A segunda frase é: O povo unido jamais será vencido! Repitam comigo. 

Todos – O povo unido jamais será vencido!  

CAI O PANO

1 - WC - Wilson Coêlho é dramaturgo e escritor, graduado em filosofia e doutor em estudos literários. Filiado à SBAT.

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domingo, 26 de outubro de 2025

COMENTÁRIOS SOBRE A TESE POLÍTICA DA CENTRAL OPERÁRIA BOLIVIANA * Central Operária Boliviana/COB

COMENTÁRIOS SOBRE A TESE POLÍTICA DA CENTRAL OPERÁRIA BOLIVIANA (COB)
Chaves para um Projeto de Emancipação na Bolívia
(Parte 1)

Diego Hernán Moscoso Sanginés Uriarte

A principal diferença entre a análise dos economistas burgueses (liberais, neoliberais, anarcocapitalistas, libertários, keynesianos, monetaristas, etc.) e as análises econômicas do proletariado está na identificação das causas e efeitos da crise econômica.

No contexto atual da Bolívia, os economistas tradicionais geralmente sustentam que a principal causa da crise está na composição, nos poderes e nas características operacionais da administração pública; ou seja, eles acreditam que o problema está nas instituições públicas e no orçamento do Estado: seu tamanho, fontes de financiamento, alocação e beneficiários.

Em outras palavras, o problema que desencadeou a crise foram os limites e o alcance da ação do Estado. Portanto, a solução — na perspectiva deles — é reduzir esses limites para ampliar o alcance da ação das empresas capitalistas.

Consequentemente, a escassez de combustível, a falta de moeda estrangeira no Banco Central da Colômbia (BCB), o aumento dos preços, a desvalorização da moeda nacional e o surgimento do câmbio paralelo são apresentados como fenômenos independentes, mas todos causados ​​pelo Estado.

Enquanto isso, análises econômicas da classe trabalhadora identificam que a escassez de combustível, a falta de moeda estrangeira no Banco Central da Bolívia (BCB), o aumento dos preços e a desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar estão totalmente inter-relacionados e compartilham uma origem comum: a moeda estrangeira proveniente das exportações do setor privado não entra no país nem é convertida em reservas líquidas no Banco Central da Bolívia (BCB).

As evidências são contundentes: entre 2000 e 2024, a Bolívia acumulou um superávit comercial de quase US$ 14 bilhões. No entanto, em 2024, as Reservas Internacionais Líquidas despencaram para US$ 1,977 bilhão. Os US$ 12 bilhões ou mais que faltavam não desapareceram por meio de gastos sociais, mas sim fugiram do país por meio da repatriação de lucros de corporações transnacionais, principalmente dos setores privatizados de mineração e hidrocarbonetos.

A eliminação da liquidação obrigatória de moeda estrangeira no Banco Central da Bolívia, por meio do Decreto Supremo 24.756, promulgado por Gonzalo Sánchez de Lozada em 1997, constituiu a perda fundamental da soberania econômica do país.


Convido você a ler a seguinte coluna de opinião:

COMENTÁRIOS SOBRE A TESE POLÍTICA DA CENTRAL OPERÁRIA BOLIVIANA (COB)
Chaves para um Projeto de Emancipação na Bolívia
(Parte 2)

Diego Hernán Moscoso Sanginés Uriarte

Diante da crise econômica, a Bolívia enfrenta dois projetos opostos.

O projeto burguês oferece mais do mesmo: dívida externa, cortes no orçamento público, cortes de impostos para empresas transnacionais, privatização de empresas públicas e disciplinamento de sindicatos e organizações sociais. Em suma: menos poder estatal para o povo, mais poder para as corporações capitalistas.

Diante desse programa de empobrecimento e entrega, a visão da classe trabalhadora — expressa na Tese Política da COB — constrói uma alternativa de soberania e democracia econômica que se articula em quatro eixos:
– A Economia Mista, como articulação estratégica que subordina o capital a um projeto nacional.
– Controle Operário, como mecanismo de real democratização das decisões econômicas.
– Autogestão Operária, como prática concreta que prefigura uma sociedade sem exploração.
– Controle do Comércio Exterior, como ato de soberania que recupera divisas para financiar o desenvolvimento nacional.

Não se trata de medidas técnicas, mas sim de uma luta pelo poder econômico. Enquanto o projeto burguês concentra riqueza e toma decisões a partir de conselhos corporativos, o projeto dos trabalhadores democratiza, inclui e constrói soberania a partir das fábricas e comunidades.


TESE COB PARTE 1

Chaves para um Projeto de Emancipação na Bolívia

(Parte 1)

Diego Hernán Moscoso Sanginés Uriarte
Economista – outubro de 2025
Introdução: uma tese política que questiona o presente

A Central Operária Boliviana (COB) realizou seu XVIII Congresso Nacional Ordinário (CON) em Cobija, Pando, de 6 a 10 de outubro de 2025, no qual foi eleito e empossado o novo Comitê Executivo Nacional sob a liderança de Mario Argollo Mamani , Secretário Executivo, para o período 2025-2027.

O plenário da CON também aprovou uma nova Tese Política , proposta pela Confederação Geral dos Trabalhadores Fabris da Bolívia (CGTFB) . O documento político propõe:Autogestão e controle dos meios de produção pelos trabalhadores.
Restaurar a credibilidade do COB.
A unidade dos trabalhadores.
Sindicalização obrigatória.
A luta contra a terceirização.
A defesa dos direitos trabalhistas e humanos.
A pressão por uma economia mista com controle dos trabalhadores.

A reativação de megaprojetos (lítio, hidrelétrica, trem bioceânico).

A transição energética.

Fortalecimento de empreendimentos sociais e comunitários.
Reforma educacional e judicial.

A criação de um Projeto Político Sindical.

O documento político da CGTFB afirma, com razão, que "os trabalhadores que lideram a COB assumirão o bastão em 2025 com a consciência de que suas ações serão a verdadeira alternativa aos desafios que enfrentamos". Essa afirmação contém uma verdade profunda que requer precisão teórica e respaldo empírico .

O diagnóstico: uma crise estrutural de soberania

A visão convencional, promovida por analistas neoliberais, atribui a atual crise econômica aos gastos públicos: subsídios aos combustíveis, gastos sociais com educação e saúde, bônus e subsídios, número de servidores públicos e existência de empresas públicas. Em suma, a causa da crise é um Estado "obeso" .

Com esses argumentos, buscam posicionar a opinião pública, em primeiro lugar, de que a escassez de combustíveis, o aumento da inflação, a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar americano e a redução de divisas nas Reservas Internacionais Líquidas (RIL) seriam fenômenos causados ​​pelo modelo econômico implementado nos últimos 19 anos (2006–2025).

Em segundo lugar, afirmam que a solução para a crise exige, como condição básica, a redução dos gastos públicos , ou seja, a redução do Orçamento Geral do Estado (PGE), ou, como eles chamam, "o encolhimento do Estado ". Ao mesmo tempo, as empresas públicas devem ser privatizadas, incorporadas em associações ou encerradas. Paralelamente, propõem a modificação da regulamentação para reduzir as alíquotas de impostos e flexibilizar os direitos trabalhistas, a fim de atrair capital internacional. Além disso, promovem a desvalorização da moeda nacional , a livre flutuação da taxa de câmbio e a contratação de empréstimos externos para obtenção de divisas.

A estratégia para implementar essas medidas baseia-se na aplicação de técnicas de operações psicológicas destinadas a influenciar a percepção pública, com o objetivo de fazê-la aceitar – e até mesmo exigir – a adoção de políticas públicas neoliberais. Para tanto, utilizam-se diversos métodos de comunicação e propaganda, como a divulgação de opiniões e estudos por especialistas com formação tecnocrática.

Por outro lado, amplificam a sensação de crise econômica , exacerbando a percepção da população ao apresentar um problema abstrato, localizado fora do tecido social, como se fosse um espectro macabro que só pode ser compreendido e enfrentado por especialistas cujas armas são fórmulas matemáticas complexas. Dessa forma, conseguem intimidar as pessoas a aceitarem passivamente as recomendações dos especialistas em economia.

Diante da incerteza e da especulação, as vozes "autorizadas", sob a cobertura de uma rede de instituições acadêmicas e de pesquisa, veículos de comunicação, associações empresariais, agências e organizações internacionais de cooperação e financiamento, constituem os portadores da certeza, da esperança, da estabilidade e do bom senso. Porque elas — somente elas — afirmam possuir o conhecimento necessário para solucionar a crise econômica. Mas o que não dizem é que sua função principal é representar os interesses da menor parcela da população , o chamado 1% . Em outras palavras, sua tarefa essencial é beneficiar as classes abastadas .

Entretanto, se analisada sob a perspectiva da economia política , essa narrativa se desfaz, sendo possível identificar a raiz da atual crise econômica: a perda da soberania econômica .

A principal diferença entre a análise dos economistas burgueses (liberais, neoliberais, anarcocapitalistas, libertários, keynesianos, monetaristas, etc.) e as análises econômicas do proletariado está na identificação das causas e efeitos da crise econômica.

No contexto atual da Bolívia, os economistas tradicionais geralmente sustentam que a principal causa da crise está na composição, nos poderes e nas características operacionais da administração pública ; ou seja, eles acreditam que o problema está nas instituições públicas e no orçamento do estado: seu tamanho, fontes de financiamento, alocação e beneficiários.

Em outras palavras, o problema que desencadeou a crise foram os limites e o alcance da ação do Estado . Portanto, a solução — na perspectiva deles — é reduzir esses limites para ampliar o alcance da ação das empresas capitalistas .

Consequentemente, a escassez de combustível, a falta de moeda estrangeira no Banco Central da Colômbia (BCB), o aumento dos preços, a desvalorização da moeda nacional e o surgimento do câmbio paralelo são apresentados como fenômenos independentes, mas todos causados ​​pelo Estado.

Enquanto isso, análises econômicas da classe trabalhadora identificam que a escassez de combustível, a falta de moeda estrangeira no Banco Central da Bolívia (BCB), o aumento dos preços e a desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar estão inteiramente relacionados e compartilham uma origem comum: a moeda estrangeira proveniente das exportações do setor privado não entra no país nem constitui RIL no Banco Central da Bolívia (BCB) .

As evidências são contundentes: entre 2000 e 2024, a Bolívia acumulou um superávit comercial de quase US$ 14 bilhões . No entanto, em 2024, as Reservas Internacionais Líquidas despencaram para US$ 1,977 bilhão . Os US$ 12 bilhões ou mais que faltavam não desapareceram por meio de gastos sociais, mas sim fugiram do país por meio da repatriação de lucros de corporações transnacionais, principalmente dos setores privatizados de mineração e hidrocarbonetos.

A eliminação da obrigação de liquidação de divisas ao Banco Central da Bolívia , através do Decreto Supremo 24756 , promulgado por Gonzalo Sánchez de Lozada em 1997, constituiu a perda fundamental da soberania econômica do país .

Este é o paradoxo central : a Bolívia produz riqueza, mas não a controla. A Tese do COB identifica esse fenômeno como uma condição de dependência econômica aprofundada pela globalização . A crise, portanto, não é fiscal; é estrutural e soberana .

TESE COB PARTE 2
Chaves para um Projeto de Emancipação na Bolívia

(Parte 2)

Diego Hernán Moscoso Sanginés Uriarte
Economista – outubro de 2025

Introdução

Na primeira parte desta série, contrastamos o diagnóstico da crise econômica sob a perspectiva neoliberal com a da classe trabalhadora. Nesta segunda parte, passamos do diagnóstico à proposta, desenvolvendo as linhas programáticas contidas na Tese Política da COB (Partido dos Trabalhadores da Bolívia), aprovada em seu 18º Congresso.

O documento da COB estabelece eixos estratégicos como a promoção de uma economia mista com controle operário, o fortalecimento de empreendimentos sociais e comunitários e a reativação de megaprojetos. Este artigo busca complementar essas propostas, delineando possíveis aplicações e exemplos que ilustrem seu potencial transformador, entendendo que seu desenvolvimento e implementação concreta serão, em última análise, o trabalho coletivo de trabalhadores organizados.

1. Economia Mista: Articulação Estratégica de Formas de Propriedade

A economia mista proposta pela COB representa uma integração estratégica na qual cada ator — Estado, comunidades, cooperativas e empresas privadas — contribui de acordo com suas capacidades, sempre dentro de um marco de soberania nacional e justiça social.

No entanto, essa economia mista só pode ser consolidada se for estruturada em torno de um princípio norteador: o controle dos trabalhadores, que garante que os interesses coletivos prevaleçam sobre os privados e que o aparato estatal não se torne burocrático.Parcerias Público-Comunitárias para a Soberania Alimentar e o Desenvolvimento Local:

Possíveis aplicações: produção e industrialização de alimentos, turismo comunitário, agricultura e pecuária sustentáveis ​​(por exemplo, cadeias de valor para lã de alpaca e vicunha, quinoa e derivados agroindustriais).

Objetivo: Garantir a soberania alimentar, desenvolver as economias locais e fortalecer a autonomia comunitária.Parcerias Público-Privadas para Setores de Alto Investimento e Tecnologia:

Possíveis aplicações: hidrocarbonetos, mineração (lítio e terras raras), energia elétrica e infraestrutura complexa.

Condições essenciais: regulamentação rigorosa, reinvestimento dos lucros no país e transferência de tecnologia, sempre sob supervisão estatal.

2. Controle Operário: O Mecanismo que Democratiza a Economia

O controle operário é o mecanismo transversal que impede que a economia mista se transforme em estatismo burocrático ou na reprodução do capitalismo. Democratiza a economia ao incorporar a voz dos produtores nas decisões estratégicas.Conselhos Tripartites (Estado, trabalhadores, técnicos) em empresas públicas e de uso misto — como YPFB, COMIBOL ou YLB — para decidir sobre planos de investimento e reinvestimento e políticas trabalhistas.
Comitês de Fiscalização de Trabalhadores e Comunidade para megaprojetos e setores estratégicos, com supervisão de impactos socioambientais, condições de trabalho e distribuição de benefícios.

Autogestão como expressão do controle dos trabalhadores, que estabelece as bases para uma transição para a gestão direta dos trabalhadores.

Esse controle não é apenas um instrumento técnico, mas também político: uma forma de poder popular na esfera econômica. Constitui o prelúdio necessário ao instrumento político da classe trabalhadora, que analisaremos na terceira parte desta série.

3. Autogestão dos Trabalhadores: A Alternativa Concreta ao Capitalismo e ao Estatismo

A autogestão dos trabalhadores é a prática concreta do poder econômico dos trabalhadores. Experiências valiosas já existem na Bolívia, embora enfrentem obstáculos legais, financeiros e de mercado significativos.Empresas sociais:

Elas surgem da reativação de empresas falidas ou abandonadas pelos seus donos.

Exemplos incluem Punto Blanco, INAL Panda, Diplomodel, Cerámicas Victoria (La Paz); Indústrias Cerâmicas de Oruro (Oruro); Dillmann Industrial Corporation (Cordill), Prosil e Hilsend Rubber (Cochabamba).Empresas comunitárias:

Criado do zero por comunidades indígenas, camponeses ou grupos de trabalhadores organizados.

Exemplos possíveis: empresas de serviços de turismo, produção têxtil, instrumentos musicais, artesanato, produção agrícola, apicultura, floricultura, processamento de frutas silvestres e oficinas comunitárias.

A autogestão não apenas preserva empregos, mas também redefine o significado do trabalho e do poder econômico. Onde o capitalismo concentra e o Estado administra, a autogestão distribui e democratiza.

4. Comércio Exterior: Soberania Cambial como Condição de Viabilidade

Este pilar, ausente na Tese do COB, mas proposto a partir da base manufatureira, é a chave que torna todo o programa econômico viável.Diagnóstico:

A fuga de capitais, facilitada pelo Decreto Supremo 24756 de 1997, é a principal causa da escassez de moeda estrangeira.Proposta das Bases:

A Federação de Fabricantes de La Paz propõe o controle do comércio exterior e do ouro, argumentando a necessidade de repatriar moeda estrangeira e destiná-la ao desenvolvimento nacional.Mecanismo possível:

Recuperação de moeda estrangeira: Restabelecer a liquidação obrigatória de moeda estrangeira ao Banco Central da Bolívia, como nas experiências recentes da Argentina e da Venezuela, mas com transparência social e supervisão sindical.

Objetivo estratégico: Criar um fundo nacional para financiar projetos comunitários autogeridos de reativação produtiva e desenvolvimento local.

Controlar o comércio exterior é, em suma, um ato de soberania econômica e política: retomar o poder sobre nossa própria riqueza.

Conclusão

Diante da crise econômica, a Bolívia enfrenta dois projetos opostos.

O projeto burguês oferece mais do mesmo: dívida externa, redução do orçamento público, corte de impostos para as transnacionais, privatização das empresas públicas e disciplinamento dos sindicatos e organizações sociais. Em suma: menos Estado para o povo, mais poder para as empresas capitalistas.

Diante desse programa de empobrecimento e entrega, a visão da classe trabalhadora — expressa na Tese Política da COB e enriquecida pelas contribuições aqui apresentadas — constrói uma alternativa de soberania e democracia econômica articulada em quatro eixos:
– A Economia Mista, como articulação estratégica que subordina o capital a um projeto nacional;
– O Controle Operário, como mecanismo de democratização real das decisões econômicas;
– A Autogestão Operária, como prática concreta que prefigura uma sociedade sem exploração;
– O Controle do Comércio Exterior, como ato de soberania que recupera divisas para financiar o desenvolvimento nacional.

Não se trata de medidas técnicas, mas de disputa pelo poder econômico. Enquanto o projeto burguês concentra riqueza e toma decisões a partir de conselhos corporativos, o projeto da classe trabalhadora democratiza, inclui e constrói soberania a partir das fábricas e comunidades.

Assim como a classe trabalhadora assumiu o controle das minas em 1952, hoje a emancipação exige o controle da economia como um todo, da produção ao comércio exterior.

A implementação desse programa, no entanto, requer uma ferramenta política capaz de confrontar os interesses estabelecidos. Na terceira parte desta série, analisaremos a proposta da COB de construir seu próprio instrumento político, avaliando seu potencial e seus desafios nessa luta por hegemonia.

Referências

– Central Operária Boliviana (2025). Tese Política do 18º Congresso Nacional Ordinário.
– Central Operária Departamental de La Paz (2025). Documento Político.
– Moscoso, D. (2025). 40 anos do DS 21060: A vigência de Goni e sua relação com a atual crise econômica.
– Moscoso, D. (2025). Introdução ao estudo da classe trabalhadora autogestionária na Bolívia no século XXI.
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